BIOGRAFIA
Carolina Maria de Jesus é um nome de muitos significados. No coração de muitas pessoas, significa acolhimento, caminhos abertos, sonho. Na memória social brasileira, representa ruptura, dissenso, insurreição. Para a história do livro e da leitura no Brasil, significa a visibilização de fronteiras e um vislumbre de diluição. Na cultura e nas artes negras, seu nome tem sentido de legado. Na literatura, Carolina é uma estrada.
LINHA DO TEMPO
1862
Nasce Benedicto José da Silva, avô de Carolina, conhecido como Sócrates africano, e de quem ela ouvia narrativas ao redor da fogueira, nas quais a experiência vivida da escravidão era compartilhada. Carolina cultivou na escrita a memória como um grande presente de seu mais velho, do qual ela herdou o gosto por contar histórias e a noção de que a palavra tem poder.
1914
14 de março
Nasce Carolina Maria de Jesus em Sacramento, cidade do interior rural de Minas Gerais, localizada a pouco mais de 60 km de distância de Araxá, palco de um dos maiores e mais longevos quilombos do Brasil, o Quilombo do Ambrósio. Carolina nasceu do amor entre Maria Carolina de Jesus, conhecida como Cota, e João Cândido Veloso, um poeta que tocava violão.
1921
Carolina passa a frequentar o Colégio Espírita Allan Kardec, onde permanecerá por aproximadamente três semestres, responsáveis pela totalidade de sua escolarização formal, e nos quais conquistou a sua companhia favorita: a leitura, e moldou sua espada e seu escudo: a escrita. Sua professora chamava-se Lonita Solvina, era uma mulher negra. Apesar da grande importância que a escola formal significou em sua trajetória, Carolina Maria de Jesus foi formada por múltiplos letramentos. (Crispim, 2021)
Seu avô Benedito a letrou. Assim como o Sr. Nogueira, que se sentava na praça aos domingos para ler o jornal para as pessoas negras em Sacramento, no contexto de analfabetismo estrutural das décadas seguintes à abolição da escravidão. Depois, ela se formou nas leituras literárias e nas leituras de mundo que fez ao longo de sua vida. Nunca foi semialfabetizada, portanto, e sim plurialfabetizada.
1923
1924
1927
A família parte para a cidade de Franca, interior de São Paulo, onde Carolina trabalha como lavradora em uma fazenda e, na cidade, como empregada doméstica.
1928
1929
1930
1932
1933
Carolina é presa em Sacramento, sua mãe a acompanha na prisão. O fato se deu porque Carolina foi vista lendo um livro de grandes proporções (era um dicionário), e os soldados, analfabetos como a grande maioria da população da cidade, concluíram que a jovem estava lendo um manual de feitiçarias. Ambas passaram dias na cadeia, foram chicoteadas. Depois de soltas, voltaram para Franca, em São Paulo. No edifício onde antes funcionava essa cadeia, hoje funciona a Secretaria de Cultura de Sacramento. Lá estão guardados os manuscritos da autora.
Após esse episódio, sua mãe interveio lhe pedindo para ir embora de Sacramento, pois ela não seria compreendida e aceita em um lugar no qual inexistia um imaginário social que concebesse uma mulher negra envolta com a linguagem, a escrita, o conhecimento. A condição errante de Carolina começa, portanto, como uma fuga do estatuto impossível da escrita, que ela encontrava em sua cidade natal em sua juventude, imersa ainda nos resquícios coloniais muito vivos no mundo rural brasileiro na primeira parte do século XX.
1936
Carolina compõe seu primeiro verso. Na cidade de Franca, viveu em um internato da Santa Casa, trabalhando na cozinha e na limpeza do espaço. Mas a incomodava o controle sobre sua vida, sobre seu tempo e seu corpo, além do excesso de trabalho. Um dia, uma freira de quem ela gostava partiu e em sinal de despedida, Carolina lhe compôs uns versos.
O primeiro verso que eu fiz foi dedicado a uma freira. Quando eu trabalhava na Santa Casa de Franca. Eram seis irmãs que tratavam os doentes admiravelmente.
Elas faziam o retiro de duas a duas. Quando viajou para São Paulo a freira por quem eu tinha profunda admiração, eu não podia deixar meus afazeres para ir despedir-me dela, peguei um lápis e um papel para lhe escrever qualquer coisinha amável:
“Nas minhas orações peço a Jesus com muita fé para ter breve regresso: a irmã Maria José”.
Escrevi apressadamente, porque estava fritando uns bifes para os doentes do pavilhão.
A mensageira voltou sorrindo: “Bonito verso, Carolina”. A irmã gostou e agradece a sua amabilidade.
Verso: repeti mentalmente Verso: o que será isto? Sorri; o meu objetivo era agradar a irmã.
1937
Morre a mãe de Carolina Maria de Jesus.
31 de janeiro
Carolina chega na cidade de São Paulo. Desembarcou na estação da Luz e viu da cidade primeiro o centro. Capturou, em sua visada inaugural da multidão, a expressão dos sujeitos que não estavam mudos: as bocas que falavam, brancas ou negras, eram as bocas que sorriam, e se havia sorrisos na boca do povo, então a cidade devia ser boa. Mas ela rapidamente se localizou e compreendeu a engrenagem urbana, que traduziu em uma dicção própria, do ponto de vista de quem estava no quarto de despejo da cidade e da palavra.
“Olhava aquele povo bem vestido. Será que todos eles são ricos? Olhava os brancos, estavam bem vestidos. Olhava os pretos, estavam bem vestidos. Os que falavam, tinham dentes na boca e sorriam. E se o povo está sorrindo então a cidade é boa. Aquela tristeza que senti foi desaparecendo aos poucos.”
1942
Publicação da entrevista de Carolina no jornal fluminense A Noite, com o título “Poesia, panela e fogões”.
1949
1950
Nascimento do segundo filho, José Carlos de Jesus.
17 de junho
Publicação de poema de Carolina Maria de Jesus, em louvor a Getúlio Vargas, no jornal O Defensor.
1953
Nascimento da terceira filha, Vera Eunice de Jesus.
Para Carolina, a maternidade foi uma estrada solitária. Não havia vínculo familiar em São Paulo, não contava com rede de apoio afetiva ou com o suporte do Estado e tampouco com a presença dos progenitores. Transversal em sua experiência social e em sua produção literária, a maternidade gera sentidos, adjetiva o tempo, causa frustração e tristeza, produz a vontade de lutar.
“Despertei às 3 horas olhei ao lado esquerdo procurando a Vera, não encontrei, e recordei que eu estou em Buenos Aires. Tão distante de meus filhos… pensei no João e disse: João desperta para ir à aula! e empreguei a minha força telepática.”
1955
Em 15 de julho inicia seus registros, em diário, sobre a vida na favela.
1959
A revista O Cruzeiro, onde Audálio Dantas passara a trabalhar, publica trechos dos diários.
6 de setembro
Recebe o diploma de membro honorário da Academia Paulista de Letras da Faculdade de Direito da USP.
7 de novembro
Carolina viaja para o Rio de Janeiro para promover o livro.
14 de novembro
É recebida por Ademar de Barros, prefeito da cidade de São Paulo, que promete a criação de uma comissão de construção de casas para os moradores da Canindé.
2 de novembro
Lançamento de Quarto de despejo no Rio Grande do Sul, onde Carolina é recebida pelo governador Leonel Brizola.
13 de dezembro
Lançamento do livro em Recife.
24 de dezembro
Carolina compra casa de alvenaria em Santana, bairro de classe média alta de São Paulo.
1960
Deixa a favela do Canindé e muda-se inicialmente para os fundos da casa de um amigo, em Osasco-SP.
Homenageada pela Academia Paulista de Letras.
19 de agosto
Quarto de despejo: diário de uma favelada, é lançado com estrondoso sucesso, tendo sua primeira edição com tiragem de dez mil exemplares e 600 exemplares vendidos na noite de autógrafos. No primeiro ano, com várias reedições, foram vendidos mais de cem mil exemplares.
27 de abril
Estreia a peça Quarto de despejo, com direção de Amir Haddad e com Ruth de Souza no papel de Carolina.
novembro
Lançamento de Casa de alvenaria: diário de uma ex-favelada, segunda obra publicada da autora.
15 a 24 de novembro
Carolina visita a Argentina para divulgar seu livro. Na Argentina é agraciada com a Orden Caballero del Tornillo.
12 de dezembro
Viagem ao Uruguai.
1965
Quarto de despejo é traduzido em Cuba.
1971
1975
1976
1977
13 de fevereiro
Carolina Maria de Jesus faz a passagem aos 63 anos, vítima de insuficiência respiratória, em Parelheiros – SP. Assim como aconteceu com grandes nomes da literatura brasileira, como Luís Gama e Machado de Assis, seu velório reuniu uma multidão de pessoas pelas ruas, em derradeira despedida.
1978
Fundação do Movimento Negro Unificado, nas escadarias do Theatro Municipal de São Paulo.
Lançamento dos Cadernos negros, publicação literária coletiva cujo nome presta homenagem a Carolina.
1991
Karen Brown faz o roteiro Passion Flower: The Story of Carolina Maria de Jesus para um documentário sobre Carolina Maria de Jesus, em Los Angeles.
1994
1995
2000
2004
2005
2009
Joel Rufino dos Santos publica o livro Carolina Maria de Jesus – uma escritora improvável.
2014
2015
Lançamento do livro Vida por escrito – Guia do acervo de Carolina Maria de Jesus, organizado por Sérgio Barcellos, resultado das pesquisas e trabalhos do Projeto Vida por Escrito, que organizou, classificou e descreveu o acervo da escritora.
2016
Publicação da biografia em quadrinhos Carolina, de João Pinheiro e Sirlene Barbosa. Premiado no Festival Internacional de Quadrinhos Angoulême e finalista do prêmio Jabuti 2017.
2017
Carolina recebe uma homenagem na Academia Carioca de Letras, na qual o professor Ivan Cavalcanti Proença diz que sua obra não pode ser considerada literatura. A resposta de Elisa Lucinda, que afirma que a escrita de Carolina é literária, reacende o debate em torno do direito à literatura.
O livro Quarto de despejo entra na lista de leituras obrigatórias do vestibular da Unicamp.
2021
25 de julho
Inaugurada a estátua de Carolina Maria de Jesus em Parelheiros, como parte das homenagens que a prefeitura da cidade fez a personalidades negras da cultura paulistana.
25 de setembro
Inaugurada a exposição “Carolina Maria de Jesus, um Brasil para os brasileiros”, no Instituto Moreira Salles, com curadoria de Hélio Menezes e Raquel Barreto.
A Universidade Federal do Rio de Janeiro concede o título de Doutora Honoris Causa para Carolina Maria de Jesus.
Quarto de despejo é publicado em Portugal pela primeira vez, após o veto anterior de Salazar.
Publicação do livro Carolinas: a nova geração de escritoras negras, reunindo 180 mulheres que passaram pelo processo de formação pela FLUP – Festa Literária das Periferias.
2022
2024
Agradecimentos:
Vera Eunice e a família de Carolina, Tainá Simões e Izabella Lessa, artistas, autores/as, cantores/as, pesquisadores/as, e a todes que tornaram esse projeto possível.
Concepção
Fernanda Miranda
Coordenação
Fernanda Miranda
Jane Leite
Identidade visual
Giulia Fagundes
Edição de vídeos e vinheta
Laura Liuzzi