BIOGRAFIA

Carolina Maria de Jesus é um nome de muitos significados. No coração de muitas pessoas, significa acolhimento, caminhos abertos, sonho. Na memória social brasileira, representa ruptura, dissenso, insurreição. Para a história do livro e da leitura no Brasil, significa a visibilização de fronteiras e um vislumbre de diluição. Na cultura e nas artes negras, seu nome tem sentido de legado. Na literatura, Carolina é uma estrada.

As memórias de Carolina Maria de Jesus compõem um arquivo fragmentado. A fonte mais segura e confiável que temos para acessar sua biografia são as lembranças de sua filha, Vera Eunice.

LINHA DO TEMPO

1862

Nasce Benedicto José da Silva, avô de Carolina, conhecido como Sócrates africano, e de quem ela ouvia narrativas ao redor da fogueira, nas quais a experiência vivida da escravidão era compartilhada. Carolina cultivou na escrita a memória como um grande presente de seu mais velho, do qual ela herdou o gosto por contar histórias e a noção de que a palavra tem poder.

1888

13 de maio
Abolição formal da escravidão no Brasil.

1914

14 de março
Nasce Carolina Maria de Jesus em Sacramento, cidade do interior rural de Minas Gerais, localizada a pouco mais de 60 km de distância de Araxá, palco de um dos maiores e mais longevos quilombos do Brasil, o Quilombo do Ambrósio. Carolina nasceu do amor entre Maria Carolina de Jesus, conhecida como Cota, e João Cândido Veloso, um poeta que tocava violão.

1921

Carolina passa a frequentar o Colégio Espírita Allan Kardec, onde permanecerá por aproximadamente três semestres, responsáveis pela totalidade de sua escolarização formal, e nos quais conquistou a sua companhia favorita: a leitura, e moldou sua espada e seu escudo: a escrita. Sua professora chamava-se Lonita Solvina, era uma mulher negra. Apesar da grande importância que a escola formal significou em sua trajetória, Carolina Maria de Jesus foi formada por múltiplos letramentos. (Crispim, 2021)

Seu avô Benedito a letrou. Assim como o Sr. Nogueira, que se sentava na praça aos domingos para ler o jornal para as pessoas negras em Sacramento, no contexto de analfabetismo estrutural das décadas seguintes à abolição da escravidão. Depois, ela se formou nas leituras literárias e nas leituras de mundo que fez ao longo de sua vida. Nunca foi semialfabetizada, portanto, e sim plurialfabetizada.

1923

Carolina e a família mudam-se para a cidade de Lajeado, Minas Gerais, onde trabalham como lavradores em uma fazenda. Por essa razão ela deixa de frequentar o colégio.

1924

Falece o avô de Carolina.

1927

A família parte para a cidade de Franca, interior de São Paulo, onde Carolina trabalha como lavradora em uma fazenda e, na cidade, como empregada doméstica.

1928

Carolina e a família deixam Franca e retornam para Sacramento.

1929

A família migra novamente de Sacramento com destino a Conquista, também em Minas Gerais, onde trabalham em uma fazenda. Permanecem pouco tempo e retornam para Sacramento.

1930

Em busca de tratamento para enfermidade nas pernas, Carolina sai de Sacramento e vai andando a pé até Uberaba, em Minas. Sem sucesso, volta para Sacramento para novamente partir para Ribeirão Preto e Orlândia, no interior de São Paulo. 

1932

Carolina novamente retorna à cidade natal, ainda com feridas nas pernas.

1933

Carolina é presa em Sacramento, sua mãe a acompanha na prisão. O fato se deu porque Carolina foi vista lendo um livro de grandes proporções (era um dicionário), e os soldados, analfabetos como a grande maioria da população da cidade, concluíram que a jovem estava lendo um manual de feitiçarias. Ambas passaram dias na cadeia, foram chicoteadas. Depois de soltas, voltaram para Franca, em São Paulo. No edifício onde antes funcionava essa cadeia, hoje funciona a Secretaria de Cultura de Sacramento. Lá estão guardados os manuscritos da autora.

Após esse episódio, sua mãe interveio lhe pedindo para ir embora de Sacramento, pois ela não seria compreendida e aceita em um lugar no qual inexistia um imaginário social que concebesse uma mulher negra envolta com a linguagem, a escrita, o conhecimento.  A condição errante de Carolina começa, portanto, como uma fuga do estatuto impossível da escrita, que ela encontrava em sua cidade natal em sua juventude, imersa ainda nos resquícios coloniais muito vivos no mundo rural brasileiro na primeira parte do século XX.

1936

Carolina compõe seu primeiro verso. Na cidade de Franca, viveu em um internato da Santa Casa, trabalhando na cozinha e na limpeza do espaço. Mas a incomodava o controle sobre sua vida, sobre seu tempo e seu corpo, além do excesso de trabalho. Um dia, uma freira de quem ela gostava partiu e em sinal de despedida, Carolina lhe compôs uns versos.

O primeiro verso que eu fiz foi dedicado a uma freira. Quando eu trabalhava na Santa Casa de Franca. Eram seis irmãs que tratavam os doentes admiravelmente.

Elas faziam o retiro de duas a duas. Quando viajou para São Paulo a freira por quem eu tinha profunda admiração, eu não podia deixar meus afazeres para ir despedir-me dela, peguei um lápis e um papel para lhe escrever qualquer coisinha amável:

“Nas minhas orações peço a Jesus com muita fé para ter breve regresso: a irmã Maria José”.

Escrevi apressadamente, porque estava fritando uns bifes para os doentes do pavilhão.
A mensageira voltou sorrindo: “Bonito verso, Carolina”. A irmã gostou e agradece a sua amabilidade.

Verso: repeti mentalmente Verso: o que será isto? Sorri; o meu objetivo era agradar a irmã.

1937

Morre a mãe de Carolina Maria de Jesus. 

31 de janeiro
Carolina chega na cidade de São Paulo. Desembarcou na estação da Luz e viu da cidade primeiro o centro. Capturou, em sua visada inaugural da multidão, a expressão dos sujeitos que não estavam mudos: as bocas que falavam, brancas ou negras, eram as bocas que sorriam, e se havia sorrisos na boca do povo, então a cidade devia ser boa. Mas ela rapidamente se localizou e compreendeu a engrenagem urbana, que traduziu em uma dicção própria, do ponto de vista de quem estava no quarto de despejo da cidade e da palavra. 

“Olhava aquele povo bem vestido. Será que todos eles são ricos? Olhava os brancos, estavam bem vestidos. Olhava os pretos, estavam bem vestidos. Os que falavam, tinham dentes na boca e sorriam. E se o povo está sorrindo então a cidade é boa. Aquela tristeza que senti foi desaparecendo aos poucos.”

1940

A foto de Carolina Maria de Jesus é publicada no jornal Folha da Manhã, ao lado do jornalista Willy Aureli. A reportagem recebeu por título “Poetiza preta”.

1942

Publicação da entrevista de Carolina no jornal fluminense A Noite, com o título “Poesia, panela e fogões”.

1948

Muda-se para a favela do Canindé, onde permaneceu até 1960, grávida de seu primogênito.

1949

Nasce o primeiro filho, João José de Jesus.

1950

Nascimento do segundo filho, José Carlos de Jesus. 

17 de junho
Publicação de poema de Carolina Maria de Jesus, em louvor a Getúlio Vargas, no jornal O Defensor.

1952

Publicação de “Poetisa negra no Canindé” no jornal Última Hora. Na reportagem aparece a família de Carolina em sua habitação na Canindé.

1953

Nascimento da terceira filha, Vera Eunice de Jesus.

Para Carolina, a maternidade foi uma estrada solitária. Não havia vínculo familiar em São Paulo, não contava com rede de apoio afetiva ou com o suporte do Estado e tampouco com a presença dos progenitores. Transversal em sua experiência social e em sua produção literária, a maternidade gera sentidos, adjetiva o tempo, causa frustração e tristeza, produz a vontade de lutar. 

“Despertei às 3 horas olhei ao lado esquerdo procurando a Vera, não encontrei, e recordei que eu estou em Buenos Aires. Tão distante de meus filhos… pensei no João e disse: João desperta para ir à aula! e empreguei a minha força telepática.”

1955

Em 15 de julho inicia seus registros, em diário, sobre a vida na favela.

1958

Conhece o jovem fotógrafo e repórter Audálio Dantas, na favela do Canindé, e nesse mesmo ano trechos do diário de Carolina foram publicados no jornal Folha da Noite.

1959

A revista O Cruzeiro, onde Audálio Dantas passara a trabalhar, publica trechos dos diários.

6 de setembro
Recebe o diploma de membro honorário da Academia Paulista de Letras da Faculdade de Direito da USP.

7 de novembro
Carolina viaja para o Rio de Janeiro para promover o livro.

14 de novembro
É recebida por Ademar de Barros, prefeito da cidade de São Paulo, que promete a criação de uma comissão de construção de casas para os moradores da Canindé.

2 de novembro
Lançamento de Quarto de despejo no Rio Grande do Sul, onde Carolina é recebida pelo governador Leonel Brizola.

13 de dezembro
Lançamento do livro em Recife.

24 de dezembro
Carolina compra casa de alvenaria em Santana, bairro de classe média alta de São Paulo.

1960

Deixa a favela do Canindé e muda-se inicialmente para os fundos da casa de um amigo, em Osasco-SP. 

 Homenageada pela Academia Paulista de Letras.

19 de agosto
Quarto de despejo: diário de uma favelada, é lançado com estrondoso sucesso, tendo sua primeira edição com tiragem de dez mil exemplares e 600 exemplares vendidos na noite de autógrafos. No primeiro ano, com várias reedições, foram vendidos mais de cem mil exemplares.

1961

 Quarto de despejo é traduzido na Dinamarca, Holanda e Argentina.

A prefeitura da cidade de São Paulo inicia o processo de execução do Plano de Desfavelamento da Canindé.

27 de abril
Estreia a peça Quarto de despejo, com direção de Amir Haddad e com Ruth de Souza no papel de Carolina.

novembro
Lançamento de Casa de alvenaria: diário de uma ex-favelada, segunda obra publicada da autora.

15 a 24 de novembro
Carolina visita a Argentina para divulgar seu livro. Na Argentina é agraciada com a Orden Caballero del Tornillo.

12 de dezembro
Viagem ao Uruguai.

17 a 29 de dezembro
Viagem ao Chile para lançar Quarto de despejo

 Lançamento do disco de música Carolina Maria de Jesus – Cantando suas composições.

1962

Quarto de despejo é traduzido na França, na Alemanha Ocidental, Suécia, Itália, Checoslováquia, Romênia, Inglaterra, Estados Unidos e Japão.

1963

Quarto de despejo é traduzido na Polônia.

30 de agosto
O romance Pedaços da fome, com apresentação de Eduardo Oliveira, é lançado na Galeria Prestes Maia, em São Paulo.

O livro Provérbios é lançado com edição da própria Carolina.

1964

1 de abril
Início da Ditadura militar no Brasil.

Quarto de despejo é traduzido na Hungria.

1965

Quarto de despejo é traduzido em Cuba.

1969

Muda-se para o sonhado sítio em Parelheiros, na periferia de São Paulo, onde produziu seus últimos escritos.

1971

Carolina é protagonista de um documentário da diretora alemã Christa Gottmann-Elter sobre sua vida, chamado “Favela: a vida na pobreza”. A censura da ditadura militar proíbe a exibição no Brasil.

1972

Anuncia que escreve Um Brasil para os brasileiros, que é ridicularizado pela imprensa. Posteriormente, parte desse material é editado e publicado na França como Diário de Bitita.

1975

O curta-metragem Despertar de um sonho (sobre a vida de Carolina Maria de Jesus), produção alemã com direção de Gerson Tavares, é proibido de ser exibido no Brasil.

1976

Relançamento no Brasil de Quarto de despejo, pela Ediouro; Carolina lança o livro em bancas de jornais em São Paulo e no Rio de Janeiro.

1977

A Scappelli Film Company propõe a realização de um filme a partir de Quarto de despejo, cuja realização, porém, não se efetiva.

13 de fevereiro
Carolina Maria de Jesus faz a passagem aos 63 anos, vítima de insuficiência respiratória, em Parelheiros – SP. Assim como aconteceu com grandes nomes da literatura brasileira, como Luís Gama e Machado de Assis, seu velório reuniu uma multidão de pessoas pelas ruas, em derradeira despedida.

1978

Fundação do Movimento Negro Unificado, nas escadarias do Theatro Municipal de São Paulo.

Lançamento dos Cadernos negros, publicação literária coletiva cujo nome presta homenagem a Carolina.

1982

Publicação de Le Journal de Bitita, na França.

1983

A Rede Globo de Televisão exibe o documentário na série Caso Verdade: De catadora de papel a escritora famosa.

1986

Lançamento de Diário de Bitita no Brasil.

1991

Karen Brown faz o roteiro Passion Flower: The Story of Carolina Maria de Jesus para um documentário sobre Carolina Maria de Jesus, em Los Angeles.

1994

Os professores José Carlos Sebe Bom Meihy e Robert M. Levine escrevem o livro Cinderela negra: a saga de Carolina Maria de Jesus, despertando a mídia novamente sobre a vida e obra de Carolina.

1995

Os mesmos autores lançam nos Estados Unidos The Life and Death of Carolina Maria de Jesus.

1996

José Carlos Sebe Bon Meihy e Robert Levine organizam o material deixado por Carolina e publicam Meu estranho diário e Antologia pessoal.

2000

Elzira Divina Perpétua defende a primeira tese de doutorado brasileira sobre Carolina, com o título “Traços de Carolina Maria de Jesus: gênese, tradução e recepção de Quarto de despejo, na Faculdade de Letras da UFMG.

2003

O cineasta Jeferson De lança o filme “Carolina”, com participação de Zezé Mota.

2004

Inauguração da Rua Carolina Maria de Jesus, no bairro de Sapopemba, periferia da cidade de São Paulo.

2005

Inaugurada a Biblioteca Carolina Maria de Jesus no Museu Afro-Brasil no Parque Ibirapuera em São Paulo.

2009

Joel Rufino dos Santos publica o livro Carolina Maria de Jesus – uma escritora improvável.

2014

Centenário de Carolina Maria de Jesus, marcado por uma série de eventos, como mesas de debates, simpósios e homenagens.

2015

Lançamento do livro Vida por escrito – Guia do acervo de Carolina Maria de Jesus, organizado por Sérgio Barcellos, resultado das pesquisas e trabalhos do Projeto Vida por Escrito, que organizou, classificou e descreveu o acervo da escritora.

2016

Publicação da biografia em quadrinhos Carolina, de João Pinheiro e Sirlene Barbosa. Premiado no Festival Internacional de Quadrinhos Angoulême e finalista do prêmio Jabuti 2017.

2017

Carolina recebe uma homenagem na Academia Carioca de Letras, na qual o professor Ivan Cavalcanti Proença diz que sua obra não pode ser considerada literatura. A resposta de Elisa Lucinda, que afirma que a escrita de Carolina é literária, reacende o debate em torno do direito à literatura.

O livro Quarto de despejo entra na lista de leituras obrigatórias do vestibular da Unicamp. 

2019

14 de março
O Google homenageia Carolina Maria de Jesus com um Doodle em celebração ao seu 105º aniversario.

Lançamento de Carolina, biografia ilustrada para crianças, lançada pela editora Mostarda dentro da coleção Black Power.

Lançamento de “Carolina: uma biografia”, de Tom Farias.

2020

A FLUP – Festa Literária das Periferias homenageou Carolina Maria de Jesus na edição “Uma revolução chamada Carolina”.

2021

Publicação de Casa de alvenaria, em dois volumes, pela editora Companhia das Letras. A edição é a primeira na qual a narrativa de Carolina não sofreu cortes nem correções. A obra foi editada por um conselho editorial formado majoritariamente por mulheres negras, são elas: Vera Eunice, Conceição Evaristo, Amanda Crispim, Fernanda Felisberto, Fernanda Miranda e Raffaella Fernandes.

25 de julho
Inaugurada a estátua de Carolina Maria de Jesus em Parelheiros, como parte das homenagens que a prefeitura da cidade fez a personalidades negras da cultura paulistana.

25 de setembro
Inaugurada a exposição “Carolina Maria de Jesus, um Brasil para os brasileiros”, no Instituto Moreira Salles, com curadoria de Hélio Menezes e Raquel Barreto.

A Universidade Federal do Rio de Janeiro concede o título de Doutora Honoris Causa para Carolina Maria de Jesus.

Quarto de despejo é publicado em Portugal pela primeira vez, após o veto anterior de Salazar.

Publicação do livro Carolinas: a nova geração de escritoras negras, reunindo 180 mulheres que passaram pelo processo de formação pela FLUP – Festa Literária das Periferias.

2022

Em comemoração ao aniversário de 108 anos de Carolina Maria de Jesus, o Instituto Moreira Salles lançou um tour virtual pela exposição Carolina Maria de Jesus: um Brasil para os brasileiros, mostra mais visitada do IMS em 2021.

2023

O Ministério da Cultura lança o Prêmio Carolina Maria de Jesus de Literatura produzida por mulheres. 

dezembro
Lançamento de O escravo, romance inédito de Carolina Maria de Jesus.

2024

14 de março Lançamento do site Carolina Maria de Jesus no Instituto Moreira Salles, na data do aniversário da autora. Para celebrar e preservar sua memória e legado, conectar aqueles/as que por ela são tocados/as, reunir materiais, informações, arquivos, análises, afetos, para reverberar sua voz viva: esse site nasce como um presente para Carolina.

Agradecimentos:
Vera Eunice e a família de Carolina, Tainá Simões e Izabella Lessa, artistas, autores/as, cantores/as, pesquisadores/as, e a todes que tornaram esse projeto possível.

Concepção
Fernanda Miranda

Coordenação
Fernanda Miranda
Jane Leite

Identidade visual
Giulia Fagundes

Edição de vídeos e vinheta
Laura Liuzzi