DIÁRIO DE BITITA

Capa de Diário de Bitita. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. Acervo Instituto Moreira Salles.
Diário de Bitita apresenta uma narrativa de elaboração das memórias de infância e juventude de Carolina em Sacramento e outras cidades do interior de MG e SP, até a chegada na capital São Paulo. O livro foi escrito quando a autora vivia em Parelheiros, já distante dos movimentados anos 60. 

O título que Carolina originalmente deu ao seu texto é Um Brasil para os brasileiros e remete a dois cadernos manuscritos, que desde 2006 estão sob a guarda do Instituto Moreira Salles. 
Em 1975, esses cadernos manuscritos foram entregues pela autora à pesquisadora Clélia Pisa, que a entrevistou, juntamente com Maryvonne Lapouge, para o livro Brasileiras, publicado apenas na França. Após o falecimento de Carolina, os cadernos foram editados na França e publicados em livro, em 1982, com o título Journal de Bitita. Em 1986, a obra foi traduzida diretamente do francês e lançada em português como Diário de Bitita.
Diário de Bitita é, portanto, uma tradução da versão francesa. Há inúmeras diferenças entre essas edições e o texto manuscrito de Carolina, revelando a repetição de um processo editorial que produziu graves mudanças na escrita da autora. 

“O pai de minha mãe foi Benedito José da Silva. Sobrenome do seu Sinhô. Era um preto alto e calmo, resignado com a sua condição de soldo da escravidão. Não sabia ler, mas era agradável no falar. Foi o preto mais bonito que já vi até hoje.”

“Na fazenda eu era a única menina preta. Mas o meu nome era igual ao da filha da fazendeira. Mas pedi a minha mãe para dizer que o meu nome era Bitita. Minha mãe sorriu dizendo que o meu nome é igual ao da minha avó materna.”

Carolina Maria de Jesus é uma intérprete do Brasil. Sua trajetória e produção nos permitem ler as contradições e fraturas mais profundas de nossa sociedade, principalmente o que nomeamos modernidade. 

O Brasil que ela elaborou narrativamente emerge de sua própria experiência e cotidiano, de seus interesses e assombros. Assim, ela construiu em Um brasil para os brasileiros, editado e publicado como Diário de Bitita, uma formalização narrativa da experiência histórica nacional pós-abolição, nos presenteando com um momento raro, pois são raras as elaborações narrativas feitas por pessoas negras sobre esse período da nossa história, tão fundamental para entendermos nossos caminhos de hoje.

O manuscrito original de “Um Brasil para os brasileiros” pode ser lido aqui:

“No mês de agosto, quando as noites eram mais quentes, nos agrupávamos ao redor do vovô para ouvi-lo contar os horrores da escravidão. Falava dos Palmares, o famoso quilombo onde os negros procuravam refúgio. 

O chefe era um negro corajoso de nome Zumbi. Que pretendia libertar os pretos. Houve um decreto: quem matasse o Zumbi ganharia duzentos mil-réis e um título nobre de barão. Mas onde é que já se viu um homem que mata assalariado receber um título de nobreza!”