DIÁRIO DE BITITA
“O pai de minha mãe foi Benedito José da Silva. Sobrenome do seu Sinhô. Era um preto alto e calmo, resignado com a sua condição de soldo da escravidão. Não sabia ler, mas era agradável no falar. Foi o preto mais bonito que já vi até hoje.”
“Na fazenda eu era a única menina preta. Mas o meu nome era igual ao da filha da fazendeira. Mas pedi a minha mãe para dizer que o meu nome era Bitita. Minha mãe sorriu dizendo que o meu nome é igual ao da minha avó materna.”
Carolina Maria de Jesus é uma intérprete do Brasil. Sua trajetória e produção nos permitem ler as contradições e fraturas mais profundas de nossa sociedade, principalmente o que nomeamos modernidade.
O Brasil que ela elaborou narrativamente emerge de sua própria experiência e cotidiano, de seus interesses e assombros. Assim, ela construiu em Um brasil para os brasileiros, editado e publicado como Diário de Bitita, uma formalização narrativa da experiência histórica nacional pós-abolição, nos presenteando com um momento raro, pois são raras as elaborações narrativas feitas por pessoas negras sobre esse período da nossa história, tão fundamental para entendermos nossos caminhos de hoje.
O manuscrito original de “Um Brasil para os brasileiros” pode ser lido aqui:
“No mês de agosto, quando as noites eram mais quentes, nos agrupávamos ao redor do vovô para ouvi-lo contar os horrores da escravidão. Falava dos Palmares, o famoso quilombo onde os negros procuravam refúgio.
O chefe era um negro corajoso de nome Zumbi. Que pretendia libertar os pretos. Houve um decreto: quem matasse o Zumbi ganharia duzentos mil-réis e um título nobre de barão. Mas onde é que já se viu um homem que mata assalariado receber um título de nobreza!”