QUARTO DE DESPEJO
Publicado em 19 de agosto de 1960 pela editora Francisco Alves, Quarto de despejo: diário de uma favelada, de Carolina Maria de Jesus, permanece sendo uma obra de grande relevância na literatura brasileira. O livro inaugura um novo regime de representação, formalizando a expansão da voz da mulher negra na escrita.
Os números que circundam o livro são notáveis:
10 mil exemplares vendidos em uma semana somente em São Paulo, traduções para diversos idiomas, a marca de um milhão de livros vendidos, o que a tornou nossa primeira best-seller brasileira.
“Na minha opinião escreve quem quer.”
Pelo fluxo de pensamento sempre vivo na narrativa, acompanhamos Carolina em seu constante caminhar na cidade, e também acompanhamos seus sonhos e utopias, sua busca existencial, a teimosia de ser e criar, os arranjos materiais necessários à vida, a luta de cada dia, a criatividade.
“Fiquei pensando”, junto do “acordei e fui buscar água” são duas frases que compõem a fibra do seu cotidiano.
Quarto de despejo forma novas/os leitoras/es e inspira novas/os autoras/es até hoje.
Quarto de despejo no mundo
As traduções de Quarto de despejo começam a circular menos de um ano depois da publicação em 1960, em edições produzidas na Dinamarca, Holanda, Argentina, França, Alemanha (Ocidental e Oriental), Suécia, Itália, Checoslováquia, Romênia, Inglaterra, Estados Unidos, Japão, Polônia, Hungria, Cuba, na então União Soviética, Turquia, Irã e mais recentemente em Portugal.
“Ele disse que quer casar-se comigo. Olho, e penso: este homem não serve para mim, parece um ator que vai entrar em cena. Eu gosto dos homens que pregam pregos, consertam algo em casa.”
“Hoje pode denominar-se o dia da tristeza. Eu comecei a fazer as contas quando levar os filhos na cidade quanto eu vou gastar de bonde. Três filhos e eu, 24 ida e volta, pensei no arroz a 30,00 quilo, o pão e outras despesas. Penso: e se a maioria ficar louco de tanto pensar na vida?”
“Eu disse-lhe que ia enviar os originais para os Estados Unidos porque os editores do Brasil não auxilia os escritores pobres. Que a cultura dos editores do Brasil está no embrião, mas embrião que não desenvolve-se, um embrião atrofiado.”
“Prefiro catar papel do que ser doméstica, porque nunca os patrões estão contentes.”
“Eu tenho a impressão que a vida do brasileiro é como uma roupa que rompe-se, que não tem mais conserto, e a gente precisa dela.”
“Não estou com sono porque eu tenho sono durante o dia. E a noite tenho poesia.”
“31 de outubro de 1958. O povo não sabe revoltar-se, devia ir no palácio no Ibirapuera e na assembleia e dar uma surra nesses políticos pigmeus, políticas alinhavadas. Não sabem administrar o país. Eu estou triste porque não tenho nada para comer. Não sei como haveras de fazer, se a gente trabalha passa fome, se não trabalha passa fome.”
“Mas quando eu estou deitada com ele, acho que ele me serve.”
“Não estou com sono porque eu tenho sono durante o dia. E a noite tenho poesia.”
“O que eu sei é que todos habitantes do Brasil acha que sofre.”
“Cheguei em casa cansada e triste porque o poeta não gosta de ver o seu povo oprimido.”
“Se o custo de vida continuar subindo até 1966 vamos ter: – revolução!”
“30 de outubro de 1958. Eu segui olhando os paulistas que circulam pelas ruas com a fisionomia triste. Não vi ninguém sorrir.”
“Hoje 24 de julho estou reiniciando a escrever o meu diário. Creio que não poderei viver sem escrever porque os dramas continuam acontecer enquanto vivemos.”
“Acho que a pior coisa do mundo é tolerar o tal homem. Se os homens soubessem como eles torram a paciência das mulheres não haviam de ser tão pretensiosos.”
“Eu desejei vários empregos, não aceitaram-me por causa da minha linguagem poética. Por isso eu não gosto de conversar com ninguém.”
Para compor a personagem, Ruth de Souza visitou a Favela do Canindé, local onde residiu Carolina, em companhia da autora e de Audálio Dantas.
Em seu segundo livro, Casa de alvenaria, Carolina relata essa visita:
“Fui à cidade. Vou sair com o repórter e a Ruth de Souza.
Vamos na favela. A Ruth quer identificar os tipos para representar no palco ”.
Além dessa montagem histórica, Quarto de despejo já experimentou o palco outras vezes.
A companhia Os crespos apresentou seu primeiro espetáculo em 2007, com uma adaptação de Quarto de despejo chamada Ensaio sobre Carolina.
“Eu Amarelo”, idealizada e adaptada por Elissandro de Aquino, é uma peça de teatro baseada em Quarto de despejo, interpretada pela atriz Cyda Moreno.
“Carolina Maria de Jesus: Diário de Bitita”, foi dirigida e adaptada por Ramon Botelho, e produzida e interpretada pela atriz Andréia Ribeiro.
“Eu e Ela: visita a Carolina Maria de Jesus”, contou com direção da atriz-criadora Dirce Thomaz, que também interpretou Carolina no curta ‘O papel e o mar’, e realização da Invasores Companhia Experimental de Teatro Negro.